A violência doméstica foi estabelecida pela primeira vez como crime no Brasil em 2004, pela Lei nº. 10.886. Esta lei acrescentou ao art. 129 do Código Penal que trata das modalidades de lesão corporal, os parágrafos 9º. e 10, que disciplinam a violência praticada no âmbito das relações familiares.
A partir de 22 de setembro, prazo de 45 dias da vacatio legis, entrou em vigor a Lei nº. 11.340, de 07 de agosto de 2006 que retirou, expressamente, da competência dos Juizados Especiais todas as formas de violência doméstica, passando a tramitar nas Varas Criminais
A Lei nº. 11.340, publicada em 07 de agosto de 2006, trouxe no art. 5º. uma definição bastante completa da violência doméstica. Estabelece que a violência doméstica "é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial" à mulher. A violência doméstica e familiar apresenta a agora a seguinte classificação, segundo estabeleceu o art. 7º., da Lei nº. 11.340/06 (Lei Maria da Penha): física, sexual, psicológica, patrimonial ou moral.
Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I. a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II. a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direitos de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III. a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso de força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV. a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V. a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
DA AÇÃO PENAL
A violência doméstica, embora lesão corporal, cuja descrição típica advém do caput, é forma qualificada da lesão, não dependendo mais de representação da vítima desde o advento da Lei nº. 10.886/04. Esta tese é reforçada agora pelo advento da Lei nº. 11.340/06 que vedou a utilização dos juizados especiais para esses delitos e operou uma revogação tácita do art. 88 da Lei nº. 9.099/95, no que concerne aos crimes de lesões corporais leves praticados nas circunstâncias que implicam em violência doméstica. Isto porque, apesar de a nova lei fazer referência à representação em duas oportunidades, no art. 12, I, e 16, não há a indicação de quais crimes estariam sujeitos à representação da vítima.
Logo, a ação penal é incondicionada, não dependendo de representação da vítima como condição de procedibilidade, art. 100, do CP. Diverge-se, atualmente, no que tange à natureza da ação penal nos crimes de lesões corporais leves ou culposas, contra a mulher vítima de violência doméstica ou familiar, se deveria ser processada mediante ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação da vítima.
O artigo 41 da referida Lei, independente da pena prevista, afastou a possibilidade de aplicação da Lei 9.099/1995 (Juizado Especial Criminal) aos casos pertinentes a Lei Maria da Penha. Ressalta-se que o artigo 88 da Lei nº 9.099/1995 estabelece que “além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”.
A Lei dos Juizados Especiais, portanto, atribuía a todos os crimes de lesões corporais leves ou culposas, independente do sexo da vítima, como condição de procedibilidade a necessidade do oferecimento de representação para a propositura da ação penal pelo Ministério Público. Afastando-se expressamente a aplicação da Lei dos Juizados Especiais, conforme dispõe o artigo 41 da Lei Maria da Penha (Lei Nº. 11.340/2006), retira-se, indubitavelmente, a condição da necessidade do oferecimento da representação por parte da vítima nos crimes de lesão corporal leve e culposa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Ao lado disso, frise-se, por oportuno, que a Lei Maria da Penha é fundada em ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação, nos casos de lesões corporais.
Nos termos do § 8º do artigo 226 da Constituição Federal o Poder Executivo, em data de 07 de agosto de 2006, sanciona a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Cria-se uma legislação, cujo objetivo primordial é proteger a “mulher” no âmbito doméstico e familiar vítima de violência. Diverge-se, atualmente, no que tange à natureza da ação penal nos crimes de lesões corporais leves ou culposas, contra a mulher vítima de violência doméstica ou familiar, se deveria ser processada mediante ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação da vítima.
O artigo 41 da referida Lei, independente da pena prevista, afastou a possibilidade de aplicação da Lei 9.099/1995 (Juizado Especial Criminal) aos casos pertinentes a Lei Maria da Penha. Ressalta-se que o artigo 88 da Lei nº 9.099/1995 estabelece que “além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”.
O artigo 41 da referida Lei, independente da pena prevista, afastou a possibilidade de aplicação da Lei 9.099/1995 (Juizado Especial Criminal) aos casos pertinentes a Lei Maria da Penha. Ressalta-se que o artigo 88 da Lei nº 9.099/1995 estabelece que “além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”.
A Lei dos Juizados Especiais, portanto, atribuía a todos os crimes de lesões corporais leves ou culposas, independente do sexo da vítima, como condição de procedibilidade a necessidade do oferecimento de representação para a propositura da ação penal pelo Ministério Público.
Afastando-se expressamente a aplicação da Lei dos Juizados Especiais, conforme dispõe o artigo 41 da Lei Maria da Penha, retira-se, indubitavelmente, a condição da necessidade do oferecimento da representação por parte da vítima nos crimes de lesão corporal leve e culposa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Prevê, ainda, no artigo 44 da Lei Maria da Penha, outra hipótese que afasta a aplicação do procedimento dos Juizados Especiais Criminais, por estipular pena de 03 meses a 03 anos de detenção, ao crime de lesão corporal qualificada, ou seja, previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, deixando, portanto, de ser infração penal de menor potencial ofensivo.
Ocorre que, até 1995 por falta de expressa disposição legal em contrário, na apuração do crime de lesão corporal leve, nos termos do art. 100, §1º, do Código Penal, procedia-se mediante ação penal pública incondicionada. Assim, diante da exacerbação da pena prevista no crime de lesão corporal qualificada e da expressa vedação de aplicação da Lei dos Juizados Especiais, volta-se a processar o referido crime mediante ação penal pública incondicionada.
Afastando-se expressamente a aplicação da Lei dos Juizados Especiais, conforme dispõe o artigo 41 da Lei Maria da Penha, retira-se, indubitavelmente, a condição da necessidade do oferecimento da representação por parte da vítima nos crimes de lesão corporal leve e culposa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Prevê, ainda, no artigo 44 da Lei Maria da Penha, outra hipótese que afasta a aplicação do procedimento dos Juizados Especiais Criminais, por estipular pena de 03 meses a 03 anos de detenção, ao crime de lesão corporal qualificada, ou seja, previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, deixando, portanto, de ser infração penal de menor potencial ofensivo.
Ocorre que, até 1995 por falta de expressa disposição legal em contrário, na apuração do crime de lesão corporal leve, nos termos do art. 100, §1º, do Código Penal, procedia-se mediante ação penal pública incondicionada. Assim, diante da exacerbação da pena prevista no crime de lesão corporal qualificada e da expressa vedação de aplicação da Lei dos Juizados Especiais, volta-se a processar o referido crime mediante ação penal pública incondicionada.
A presente derrogação ostenta divergências, considerando, entretanto, o disposto no artigo 16 da Lei 11.340/2006, que admite representação, bem como, sua renúncia perante o juiz em audiência especialmente designada para esse fim, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Esta disposição é interpretada, por alguns juízes, como prerrogativa passível que autoriza a retratação da representação por parte da vítima também nos crimes de lesão corporal, mantendo-se como ação pública condicionada.
Com a expressa menção à inaplicabilidade da Lei nº 9.099/1995 há um retrocesso da norma penal, no que tange ao crime de lesões corporais leves ou culposa contra mulheres vítimas de violência doméstica. Contudo, no âmbito de abrangência da Lei nº 11.340/2006, outros delitos continuam dependendo de representação, tais como a ameaça, os crimes contra a honra, na hipótese do artigo 145, parágrafo único, do Código Penal, e os crimes contra os costumes, quando aplicável o artigo 225, §2º, do mesmo diploma legal.
Portanto, apenas para esses outros delitos condicionados à representação, com previsão expressa no Código Penal, amoldam-se ao disposto no artigo 12, inciso I, da Lei Maria da Penha, para que a autoridade policial tome a representação a termo e, ao artigo 16, para que a renúncia seja feita perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade
Contudo, apesar das ponderações apresentadas, a jurisprudência tem se orientado por duas posições. A primeira, o crime de lesão corporal praticado com violência doméstica contra a mulher, com a vigência da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da penha), tornou-se de ação penal pública incondicionada, prescindindo, portanto, de direito de representação. Ordem denegada” (TJ-ES; HC 100080007139; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. Subst. Walace Pandolpho Kiffer; Julg. 14/05/2008; DJES 05/06/2008; Pág. 115).
Já a segunda corrente, entende que trata-se de ação condicionada à representação, porque o artigo 41 da Lei nº 11.340/06 deve ser interpretado em consonância com o artigo 16 da citada Lei, ou seja, “nos crimes de lesão corporal culposa ou dolosa simples que atinge a mulher no âmbito familiar, tratados pela Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), a ação penal é pública condicionada à representação, podendo haver a retratação da ofendida” (TJ-MG; RSE 1.0024.07.564783-4/0011; Belo Horizonte; Quarta Câmara Criminal; Rel. Des. Ediwal José de Morais; Julg. 21/05/2008; DJEMG 11/06/2008)”.
Perante essas duas posições, cabe ressaltar, uma importante reflexão quanto à essência e os fundamentos que embasaram a imprescindível necessidade de criação de uma legislação especial que tutela-se a mulher vítima de violência dentro de seu próprio lar. Se a realidade fática constatada pela criminologia é de alto índice de violência contra a mulher no âmbito familiar, sem que ela, sozinha, consiga enfrentá-la. Compete ao Estado desenvolver políticas que visem a tutelar os seus direitos, o que certamente se teve em vista com a edição do diploma em exame, com supedâneo nos arts. 226, §8º, e 227 da Constituição Federal.
A justificativa de que não se deve retirar da mulher o poder de decisão sobre a situação de violência em sua família, passando a considerar os crimes de lesão corporal qualificada como ação pública condicionada, acaba por não solucionar o grave problema, transformando-as apenas em novas vítimas, ou seja, vítimas de inaceitável coação na busca de impunidade, circunstância que estimula ainda mais a reiteração criminosa.
No entanto, é inaceitável admitir que a Lei Maria da Penha, criada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, seja interpretada de forma a beneficiar o agressor, reforçando ainda mais a ideia de um direito penal simbólico positivo.
Embora haja comprovadas divergências, deveria prevalecer, categoricamente, a primeira corrente, ou seja, o entendimento de que nos crimes de lesão corporal leve e culposa, contra a mulher vítima de violência doméstica, prescinde de representação da vítima, com base na expressa proibição da utilização do procedimento dos Juizados Especiais e na exacerbação da pena imposta ao crime de lesão corporal qualificada, impondo-se a aplicação do disposto no Código Penal, em virtude da ausência de previsão sobre o tema na legislação em comenta, sendo assim, portanto, ação penal pública incondicionada.
Palavras chaves: ação penal incondicionada; violência doméstica; lesões corporais; representação.
A N E X O 01:
O Superior Tribunal de Justiça havia decidido meses atrás que autores de violência doméstica contra mulheres podiam ser processados pelo Ministério Público, independentemente de autorização da vítima. A conclusão, por maioria, foi da Sexta Turma, ao considerar que a ação penal contra o agressor deve ser pública incondicionada. No recurso especial dirigido ao STJ, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios protestava contra o trancamento da ação penal contra o agressor E.S.O., do Distrito Federal. Após a retratação da vítima em juízo, afirmando não querer mais perseguir criminalmente o agressor, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios trancou a ação, afirmando que não haveria justa causa para o seu prosseguimento. Segundo o TJDFT, os delitos de lesões corporais leves e culposas continuam tendo a natureza jurídica de pública condicionada à representação, pois o sistema processual brasileiro tem regência da unicidade. “Não havendo a possibilidade jurídica para o prosseguimento da ação penal, em face das disposições do artigo 16 da Lei ‘Maria da Penha’, qual seja, a manifestação da vítima perante o juiz de não mais processar o seu companheiro, concede-se a ordem de habeas corpus para determinar-se o trancamento da ação penal por faltar-lhe a justa causa”, afirmou a decisão do TJDFT. Na decisão, o tribunal brasiliense ressalvou, ainda, a possibilidade de a vítima, a qualquer momento, no prazo de seis meses, voltar a exercer o direito de denunciar o agressor. Para o Ministério Público, no entanto, a decisão ofendeu os artigos 13, 16 e 41 da Lei Maria da Penha, além dos artigos 648, I, e 38 do Código de Processo Penal, artigo 88 da Lei n. 9.0909/95 e os artigos 100 e 129, parágrafo 9, do Código Penal. Requereu, então, a reforma da decisão, alegando que a ação penal do presente delito tem natureza pública incondicionada, não sendo dependente da representação da vítima. Em parecer sobre o caso, o Ministério Público Federal observou que a Lei Maria da Penha prescreve, em seu artigo 41, que não se aplica a Lei n. 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Segundo o Ministério Público Federal, deve ser reconhecido o direito do Estado em dar prosseguimento à ação penal, vez que esta não depende de representação da vítima, devendo ser reconhecida a justa causa para a perseguição criminal do agressor. A relatora do caso, a Desembargadora convocada Jane Silva, concordou com os argumentos e foi acompanhada pelo Ministro Paulo Gallotti. Os Ministros Nilson Naves e Maria Theresa de Assis Moura divergiram. Em seu voto-vista, o Ministro Og Fernandes desempatou em favor da tese do Ministério Público: a ação contra autores de violência doméstica contra a mulher deve ser pública incondicionada. O mesmo resultado foi adotado para o Recurso Especial 1.050.276, também do Distrito Federal.
No entanto, em sessão realizada no dia 05 de março, o Superior Tribunal de Justiça decidiu contrariamente: “A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem de
habeas corpus, mudando o entendimento quanto à representação prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006. Considerou que, se a vítima só pode retratar-se da representação perante o juiz, a ação penal é condicionada. Ademais, a dispensa de representação significa que a ação penal teria prosseguimento e impediria a reconciliação de muitos casais.” (HC 113.608-MG, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Celso Limongi - Desembargador convocado do TJ-SP, julgado em 5/3/2009).
Entendemos absolutamente acertada esta última decisão e esperamos que passe a ser um importante precedente na própria Corte.
Como se sabe, o art. 41 da Lei Maria da Penha determina que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.” Logo, em uma interpretação puramente literal, seria inaplicável o art. 88 da Lei nº. 9.099/95; logo, o crime de lesões corporais leves seria de ação penal pública incondicionada, quando praticado no contexto de violência doméstica ou familiar.
Obviamente que se trata de artigo inconstitucional, pois são maculados os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade[1]. Assim, ainda que se trate de uma lesão corporal leve, deve ser observado o art. 88, além das demais medidas despenalizadoras previstas na Lei nº. 9.099/95 (composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo, bem como a medida “descarcerizadora” do art. 69).
Cremos que devemos interpretar tal dispositivo à luz da Constituição Federal e não o contrário. Afinal de contas, como já escreveu Cappelletti, “a conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todas.”[2] Devemos interpretar as leis ordinárias em conformidade com a Carta Magna, e não o contrário! Segundo Frederico Marques, a Constituição Federal “não só submete o legislador ordinário a um regime de estrita legalidade, como ainda subordina todo o sistema normativo a uma causalidade constitucional, que é condição de legitimidade de todo o imperativo jurídico.”[3]
A prevalecer a tese contrária, em uma lesão corporal leve praticada contra uma mulher a ação penal independe de representação (é pública incondicionada), mas uma lesão corporal leve cometida contra um infante ou um homem de 90 anos depende de representação. Outro exemplo: um pai agride e fere levemente seus dois filhos gêmeos, um homem e uma mulher; receberá tratamento jurídico-criminal diferenciado. Onde nós estamos!
Evidentemente que o princípio da proporcionalidade não foi observado, o que torna inválida esta norma, apesar de vigente. Como observa Mariângela Gama de Magalhães Gomes, este princípio “desempenha importante função dentro do ordenamento jurídico, não apenas penal, uma vez que orienta a construção dos tipos incriminadores por meio de uma criteriosa seleção daquelas condutas que merecem uma tutela diferenciada (penal) e das que não a merecem, assim como fundamenta a diferenciação nos tratamentos penais dispensados às diversas modalidades delitivas; além disso, conforme enunciado, constitui importante limite à atividade do legislador penal (e também do seu intérprete), posto que estabelece até que ponto é legítima a intervenção do Estado na liberdade individual dos cidadãos.”[4]
Para Pedraz Penalva, “a proporcionalidade é, pois, algo mais que um critério, regra ou elemento técnico de juízo, utilizável para afirmar conseqüências jurídicas: constitui um princípio inerente ao Estado de Direito com plena e necessária operatividade, enquanto sua devida utilização se apresenta como uma das garantias básicas que devem ser observadas em todo caso em que possam ser lesionados direitos e liberdades fundamentais.”[5]
Na lição de Sebástian Melo, “sendo o Direito Penal um instrumento de realização de Direitos Fundamentais, não pode prescindir do princípio da proporcionalidade para realização de seus fins. Esse princípio, mencionado com destaque pelos constitucionalistas, remonta a Aristóteles, que relaciona justiça com proporcionalidade, na medida em que assevera ser o justo uma das espécies do gênero proporcional. Seu conceito de proporcionalidade repudia tanto o excesso quanto a carência. A justiça proporcional, em Ética e Nicômaco é uma espécie de igualdade proporcional, em que cada um deve receber de forma proporcional ao seu mérito. Desta forma, para Aristóteles, a regra será justa quando seguir essa proporção. Nas palavras do filósofo grego em questão, a sua igualdade proporcional representa uma ´conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo nesta acepção é o meio-termo entre dois extremos desproporcionais, já que o proporcional é um meio termo, e o justo é o proporcional´.”[6]
Lembremos, com Humberto Ávila, que a igualdade (que ele denomina de postulado) “estrutura a aplicação do Direito quando há relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério de diferenciação e finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em razão do fim).” Para ele, a proporcionalidade (que também seria um postulado) “aplica-se nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A exigência de realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito.”[7]
O princípio da igualdade, previsto expressamente no art. 5º., caput da Constituição Federal, “significa a proibição, para o legislador ordinário, de discriminações arbitrárias: impõe que a situações iguais corresponda um tratamento igual, do mesmo modo que a situações diferentes deve corresponder um tratamento diferenciado.” Segundo ainda Mariângela Gama de Magalhães Gomes, a igualdade “ordena ao legislador que preveja com as mesmas conseqüências jurídicas os fatos que em linha de princípio sejam comparáveis, e lhe permite realizar diferenciações apenas para as hipóteses em que exista uma causa objetiva – pois caso não se verifiquem motivos desta espécie, haverá diferenciações arbitrárias.”[8]
Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando a norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.”[10]
Mas, infelizmente, como afirma Francesco Palazzo, “a influência dos valores constitucionais vem, pouco a pouco, crescendo sempre no arco dos tempos, sem que, no entanto, ainda assim as transformações constitucionais tenham logrado produzir a esperada reforma orgânica do sistema penal, inclusive.”[11]
Canotilho explica que são “princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.”[12]
Diante do exposto, este dispositivo da nova lei não deve ser aplicado pelo Juiz, pois, como se sabe, o controle de constitucionalidade judiciário no Brasil tem o caráter difuso[13], podendo “perante qualquer juiz ser levantada a alegação de inconstitucionalidade e qualquer magistrado pode reconhecer essa inconstitucionalidade e em conseqüência deixar de aplicar o ato inquinado”, na lição do constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho.[14]
NOTAS E REFERÊNCIAS
[1] É cediço que o princípio da proporcionalidade está implícito na Constituição Federal. Os princípios implícitos, como se sabe, “podem ser apreendidos a partir de uma pluralidade, mais ou menos vasta, de normas explícitas, ou ainda ser extraídos não mais de uma pluralidade de disposições, mas de uma única disposição. Isso se dá toda vez que de uma única disposição se extrai, além da norma expressa que constitui seu significado, também uma norma ulterior implícita. Finalmente, restam aqueles princípios totalmente implícitos, que são deduzidos não de uma disposição, mas da ´natureza das coisas`, da ´Constituição material`, do sistema jurídico como um todo, de outros princípios implícitos à sua volta, e assim por diante.” Quanto à proporcionalidade, “sua natureza de princípio jurídico é evidenciada quando, à parte da generalidade e do aspecto vago do que impõe (...), é possível também verificar que se encontra entre as normas superiores do ordenamento jurídico, de nível constitucional, razão pela qual norteia toda a atividade penal, seja no âmbito legislativo, seja na aplicação da lei aos casos concretos.” (Mariângela Gama de Magalhães Gomes, “O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 58, com grifo nosso).
[2] Apud José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1998, Vol. I, p. 79.
[4] O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 59.
[5] Apud Mariângela Gama de Magalhães Gomes, “O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 60.
[6] “O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal”, texto inserto na obra Princípios Penais Constitucionais, Salvador: Editora JusPodivm, 2007, p. 203.
[10] Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, São Paulo: Malheiros, 1999, 3ª. ed., 6ª. tiragem, p. 47.
[11] Valores Constitucionais e Direito Penal, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 117.
[13] Segundo José Afonso da Silva, entre nós, este “sistema foi originariamente instituído com a Constituição de 1891 que, sob a influência do constitucionalismo norte-americano, acolhera o critério de controle difuso por via de exceção, que perdurou nas constituições sucessivas até a vigente.” (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 10ª. ed., 1995).
A N E X O 02:
PESQUISA QUANTITATIVA REALIZADA NO MUNICÍPIO DE MIMOSO DO SUL
TEMA: VIOLÊNCIA E SEGURANÇA CONTRA AS MULHERES
ENTIDADE PESQUISADA: HOSPITAL APÓSTOLO PEDRO | |
Questionamentos efetuados | Respostas obtidas |
1 – Qual foi o quantitativo de agressões constatadas e registradas nos BAU's (Boletim de Atendimento em Urgência/Emergência) no decorrer do ano de 2010? | Foram registradas, durante o decurso do ano de 2010, as ocorrências de 59 (cinquenta e nove) agressões, com vítimas na faixa etária entre 20 (vinte) a 50 (cinquenta) anos, aproximadamente. |
2 – Qual foi o números agressões constatadas e registradas nos BAU's (Boletim de Atendimento em Urgência/Emergência), computadas no ano de 2011, até o mês de julho? | Foram registradas, até o mês de julho de 2011, as ocorrências de 23 (vinte e três) agressões, com vítimas na faixa etária entre 20 (vinte) a 50 (cinquenta) anos, aproximadamente. |
3 – Quais foram as consequências constadas após as agressões das vítimas? | Verificou-se, após as agressões sofridas pelas vítimas, que as mesmas tiveram: a) contusão no globo ocular, face e membro; b) contusão na cabeça; c) hematomas por toda a extensão do corpo; d) lesões nos braços, decorrentes da utilização de arma de fogo e arma branca; e) escoriações na face e nos membros; f) edema e equimoses nos lábios; g) corte contuso em região frontal, causado por garrafada; h) arranhadura e mordedura humana; e, i) fratura de braço e costela. Enfim, em decorrência das agressões sofridas, as vítimas apresentaram diversas espécies de ferimentos. |
PESQUISA QUANTITATIVA REALIZADA NO MUNICÍPIO DE MIMOSO DO SUL
TEMA: VIOLÊNCIA E SEGURANÇA CONTRA AS MULHERES
ENTIDADE PESQUISADA: DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL | |
Questionamentos efetuados | Respostas obtidas |
Em relação ao crime de abuso sexual de mulheres | |
1 – Qual o quantitativo de casos envolvendo o crime de abuso sexual de mulheres, registrado no Município de Mimoso do Sul, durante o ano de 2010? | Segundo as informações colhidas, foram registrados 02 (dois) casos, durante o decorrer do ano de 2010, envolvendo o crime de abuso sexual de mulheres. |
2 – Qual o quantitativo de casos envolvendo o crime de abuso sexual de mulheres, registrado no Município de Mimoso do Sul, durante o ano de 2011, até o mês de julho? | Consoante as informações colhidas, foram registrados 02 (dois) casos, durante o ano de 2011, até o mês de julho, envolvendo o crime de abuso sexual de mulheres. |
Em relação ao crime de agressão física de mulheres | |
1 – Qual o quantitativo de casos envolvendo o crime de agressão física, tendo como vítima mulheres, registrado no Município de Mimoso do Sul, durante o ano de 2010? | Foram registrados, junto à Delegacia de Polícia Civil, durante o ano de 2010, o numerário de 17 (dezessete) ocorrências, tendo mulheres como vítimas do crime de agressão física. |
2 - Qual o quantitativo de casos envolvendo o crime de agressão física, tendo como vítima mulheres, registrado no Município de Mimoso do Sul, durante o ano de 2011, até o mês de julho? | Como se apurou, junto à Delegacia de Polícia Civil de Mimoso do Sul, durante o ano de 2011, até o mês de julho, foram registrada 05 (cinco) ocorrências, tendo mulheres como vítimas de agressões físicas. |
Em relação ao crime de agressão psicológica/ameaça de mulheres | |
1 – Qual o quantitativo de casos envolvendo o crime de agressão psicológica/ameaça, tendo como vítima mulheres, registrado no Município de Mimoso do Sul, durante o ano de 2010? | Foram registrados, junto à Delegacia de Polícia Civil, durante o ano de 2010, o numerário de 19 (dezenove) ocorrências, tendo mulheres como vítimas do crime de agressão psicológica/ameaça. |
2 - Qual o quantitativo de casos envolvendo o crime de agressão psicológica/ameaça, tendo como vítima mulheres, registrado no Município de Mimoso do Sul, durante o ano de 2011, até o mês de julho? | Como se apurou, junto à Delegacia de Polícia Civil de Mimoso do Sul, durante o ano de 2011, até o mês de julho, foram registrada 08 (oito) ocorrências, tendo mulheres como vítimas de agressões físicas. |
Idade de prevalência e etnia das vítimas dos crimes | |
Nos casos registrados perante a Delegacia de Polícia Civil de Mimoso do Sul, pode-se constatar qual a idade de prevalência das mulheres vítimas das condutas acima apontadas, bem como a etnia (branca ou negras) em que se encontram incluídas? | Pode-se verificar que a maioria das vítimas encontram-se inclusas na faixa etária entre 16 (dezesseis) e 30 (trinta) anos. No que se refere a etnia das vítimas, observou-se que há uma igualdade de percentual das vítimas, no patamar de 50% (cinquenta por cento), de brancas e negras. |
Envolvimento com drogas ou entorpecentes | |
Nas ocorrências registradas, junto à Delegacia de Polícia Civil de Mimoso do Sul, pode-se constatar se as condutas, objeto do presente estudo, tem alguma relação ou envolvimento com drogas ou entorpecentes? | Dos dados fornecidos, apurou-se que cerca de 80% (oitenta por cento) das condutas têm relação com o uso de drogas ou entorpecentes. |
PESQUISA QUANTITATIVA REALIZADA NO MUNICÍPIO DE MIMOSO DO SUL
TEMA: VIOLÊNCIA E SEGURANÇA CONTRA AS MULHERES
ENTIDADE PESQUISADA: CENTRO DE REFERÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS) | |
Questionamentos efetuados | Respostas obtidas |
1 – Qual foi o índice de violência contra mulheres e crianças apuradas no decorrer do ano de 2010? | Os dados existentes apontam para a ocorrência de 160 (cento e sessenta) episódios de violência praticados contra mulheres e crianças, durante o segundo semestre do ano de 2010. |
2 – Qual a ação e a participação do CREAS para solucionar tal problema? | Segundo as informações fornecidas pela entidade pesquisada, o CREAS (Centro de Referência e Assistência Social) realiza acompanhamento familiar psicossocial, por meio de atividades em grupo, acompanhamento individual, estudo social, com o objetivo de fortalecer os vínculos familiares e com a comunidade. O CREAS tem, ainda, como objetivo, realizar campanhas na comunidade contra as espécies de violência ocorridas. |
PESQUISA QUANTITATIVA REALIZADA NO MUNICÍPIO DE MIMOSO DO SUL
TEMA: VIOLÊNCIA E SEGURANÇA CONTRA AS MULHERES
ENTIDADE PESQUISADA: CONSELHO TUTELAR DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE | |
Infrações registradas no ano de 2010 | Número de Ocorrências |
Abuso Sexual | 06 (seis) |
Agressão Física | 41 (quarenta e uma) |
Agressão Psicológica | 03 (três) |
Agressão Verbal | 12 (doze) |
Depressão | 02 (duas) |
Encaminhamento a Pedido de Guarda | 32 (trinta e duas) |
Encaminhamento a Pedido de Pensão | 14 (quatorze) |
Envolvimento com Drogas e/ou Entorpecentes | 34 (trinta e quatro) |
Evasão Escolar | 18 (dezoito) |
Maus-tratos | 35 (trinta e cinco) |
Pedofilia | 02 (duas) |
Prostituição Infanto-juvenil | 14 (quatorze) |
Responsabilidade Familiar | 83 (oitenta e três) |
Vulnerabilidade Social | 08 (oito) |
PESQUISA QUANTITATIVA REALIZADA NO MUNICÍPIO DE MIMOSO DO SUL
TEMA: VIOLÊNCIA E SEGURANÇA CONTRA AS MULHERES
ENTIDADE PESQUISADA: PODER JUDICIÁRIO DO ESPIRITO SANTO – COMARCA DE MIMOSO DO SUL | |
Questionamentos efetuados | Respostas obtidas |
1 – Qual o numerário de ações que tramitaram neste Juízo, tendo como objeto a Lei Maria da Penha, até o ano de 2010? | Segundo informações obtidas, tramitaram, até o ano de 2010, o quantitativo de 15 (quinze) ações, requerendo a medida protetiva da Lei Maria da Penha. |
2 – Qual o numerário de ações que tramitaram neste Juízo, tendo como objeto a Lei Maria da Penha, durante o ano de 2011, até o mês de julho? | Conforme dados fornecidos, tramitaram, no ano de 2011, até o mês de julho, o quantitativo de 06 (seis) ações, requerendo a medida protetiva da Lei Maria da Penha. |
*Postado por: Lesley Mara dos Santos e Isabela Vivas Ferraz Scalco Costa
Nenhum comentário:
Postar um comentário