A democracia racial existe ou se trata de um mito?
No
Brasil, a história de seus conflitos e problemas envolveu bem mais do que a
formação de classes sociais distintas por sua condição material. Nas origens da
sociedade colonial, o nosso país ficou marcado pela questão do racismo e,
especificamente, pela exclusão dos negros. Mais que uma simples herança de
nosso passado, essa problemática racial toca o nosso dia a dia de diferentes
formas.
Em
nossa cultura poderíamos enumerar o vasto número de piadas e termos que mostram
como a distinção racial é algo corrente em nosso cotidiano. Quando alguém
autodefine que sua pele é negra, muitos se sentem deslocados. Parece ter sido
dito algum tipo de termo extremista. Talvez chegamos a pensar que alguém só é
negro quando tem pele “muito escura”. Com certeza, esse tipo de estranhamento e
pensamento não é misteriosamente inexplicável. O desconforto, na verdade,
denuncia nossa indefinição mediante a ideia da diversidade racial.
É bem verdade que o conceito de raça em si é inconsistente, já que do ponto de
vista científico nenhum indivíduo da mesma espécie possui características
biológicas (ou psicológicas) singulares. Porém, o saber racional nem sempre
controla nossos valores e práticas culturais. A fenotipia do indivíduo acaba
formando uma série de distinções que surgem no movimento de experiências
históricas que se configuraram ao longo dos anos. Seja no Brasil ou em qualquer
sociedade, os valores da nossa cultura não reproduzem integralmente as ideias
da nossa ciência.
Dessa maneira, é no passado onde podemos levantar as questões sobre como o
brasileiro lida com a questão racial. A escravidão africana instituída em solo
brasileiro, mesmo sendo justificada por preceitos de ordem religiosa, perpetuou
uma ideia corrente onde as tarefas braçais e subalternas são de
responsabilidade dos negros. O branco, europeu e civilizado, tinha como papel,
no ambiente colonial, liderar e conduzir as ações a serem desenvolvidas. Em
outras palavras, uns (brancos) nasceram para o mando, e outros (negros) para a
obediência.
No entanto, também devemos levar em consideração que o nosso racismo veio
acompanhado de seu contraditório: a miscigenação. Colocada por uns como uma
estratégia de ocupação, a miscigenação questiona se realmente somos ou não
pertencentes a uma cultura racista. Para outros, o mestiço definitivamente
comprova que o enlace sexual entre os diferentes atesta que nosso país não é
racista. Surge então o mito da chamada democracia racial.
Sistematizado
na obra “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, o conceito de
democracia racial coloca a escravidão para fora da simples ótica da dominação.
A condição do escravo, nessa obra, é historicamente articulada com relatos e
dados onde os escravos vivem situações diferentes do trabalho compulsório nas
casas e lavouras. De fato, muitos escravos viveram situações em que desfrutavam
de certo conforto material ou ocupavam posições de confiança e prestígio na
hierarquia da sociedade colonial. Os próprios documentos utilizados na obra de
Freyre apontam essa tendência.
Porém, a miscigenação não exclui os preconceitos. Nossa última constituição coloca a discriminação racial como um crime inafiançável. Entre nossas discussões proferimos, ao mesmo tempo, horror ao racismo e admitimos publicamente que o Brasil é um país racista. Tal contradição indica que nosso racismo é velado e, nem por isso, pulsante. Queremos ter um discurso sobre o negro, mas não vemos a urgência de algum tipo de mobilização a favor da resolução desse problema.
Ultimamente, os sistemas de cotas e a criação de um ministério voltado para essa única questão demonstram o tamanho do nosso problema. Ainda aceitamos distinguir o negro do moreno, em uma aquarela de tons onde o último ocupa uma situação melhor que a do primeiro. Desta maneira, criamos a estranha situação onde “todos os outros podem ser racistas, menos eu... é claro!”. Isso nos indica que o alcance da democracia é um assunto tão difícil e complexo como a nossa relação com o negro no Brasil.
Porém, a miscigenação não exclui os preconceitos. Nossa última constituição coloca a discriminação racial como um crime inafiançável. Entre nossas discussões proferimos, ao mesmo tempo, horror ao racismo e admitimos publicamente que o Brasil é um país racista. Tal contradição indica que nosso racismo é velado e, nem por isso, pulsante. Queremos ter um discurso sobre o negro, mas não vemos a urgência de algum tipo de mobilização a favor da resolução desse problema.
Ultimamente, os sistemas de cotas e a criação de um ministério voltado para essa única questão demonstram o tamanho do nosso problema. Ainda aceitamos distinguir o negro do moreno, em uma aquarela de tons onde o último ocupa uma situação melhor que a do primeiro. Desta maneira, criamos a estranha situação onde “todos os outros podem ser racistas, menos eu... é claro!”. Isso nos indica que o alcance da democracia é um assunto tão difícil e complexo como a nossa relação com o negro no Brasil.
Postado por: Neise Alves de Araujo Cardoso da Silva
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