Esta semana, o Ministério da Justiça recebeu um relatório preocupante sobre a violência contra a mulher no Brasil. A cada cinco minutos, uma mulher é agredida no país. Em quase 70% dos casos, quem espanca ou mata a mulher é o namorado, marido ou ex-marido.
Namoradas, noivas, esposas - não importa. “Me arrastou pelo cabelo, me jogou dentro do banheiro, enfiou minha cabeça dentro do vaso, me bateu muito, me chutou”, lembra uma vítima.
Nem a polícia consegue evitar. “Infelizmente, determinados homens botam na cabeça que a mulher é um objeto dele, que pertence a ele, que ele pode tudo sobre ela, que ele pode bater, que ele pode brigar e que ele pode até matar”, afirma o delegado Adroaldo Rodrigues.
O mapa da violência de 2012, pesquisa coordenada e recém concluída pelo sociólogo Júlio Jacobo, mostra uma clara diferença entre assassinatos de homens e mulheres: “Homem morre primordialmente na rua. Homem morre primordialmente por violência, entre os pares, entre os jovens, na rua. Mulher morre no domicílio, na residência”, explica Jacobo.
Ao todo, 68% das mulheres que procuraram o Sistema Único de Saúde em 2011 para tratar ferimentos disseram que o agressor estava dentro de casa. Em 60% dos casos, quem espanca ou mata é o namorado, o marido ou ex-marido.
Entre 87 países, o Brasil é o 7º que mais mata. São 4,4 assassinatos em cada grupo de 100 mil mulheres. O estado mais violento é o Espírito Santo, com 9,4 homicídios por 100 mil mulheres. E o que mata menos é o Piauí, com 2,6 homicídios por 100 mil mulheres. Trezentas mulheres são atendidas na Delegacia da Mulher da Cidade de Serra, na Região Metropolitana de Vitória, e pelo menos 200 homens são investigados todos os meses.
Argumentos econômicos são bastante comuns. “Eu paguei um curso, eu paguei uma faculdade. E aí, para eles, isso é uma dívida eterna. A companheira tem que se submeter à estrita vontade dele”, explica a delegada Susane.
O problema de muitas fatalidades que assolam as mulheres é que as chamadas medidas protetivas determinadas por um juiz nem sempre conseguem conter a fúria de um assassino. Quando foi assassinada, aos 47 anos, Anita Sampaio Leite trazia um papel que obrigava o marido a ficar pelo menos um quilômetro longe dela. “Andava com a medida protetiva dentro da bolsa, na esperança de que, quando o visse, entrasse em contato e fosse imediatamente para a detenção, para o presídio”, lembra Antônio Sampaio, irmão de vítima. Anita e o marido, o pedreiro Hercy de Sousa Leite, de 52 anos, viveram juntos por mais de 30 anos. Os filhos do casal já não suportavam ver a mãe apanhar. “Ele mantinha minha mãe completamente em cárcere privado. Minha mãe não podia sair. Para ela sair, era tudo programado do jeito dele. Se passasse do jeito dele, dava problema. Ele batia nela”, conta Wellington Sampaio. Quando Anita pediu a separação, em 2011, Hercy voltou a agredi-la e chegou a ser preso. Mas pagou a fiança e foi embora. “A vida da minha irmã valeu R$ 183” , lamenta o irmão de Anita. Anita foi morta a facadas no quintal da casa dela, em agosto de 2011. Hercy ainda está foragido. Ele já respondia a um processo por agressão.
Um dia depois do assassinato, um oficial de Justiça chegou a procurar Anita para intimá-la a depor como vítima. “Ela está lá no cemitério de Ponta da Fruta, você vai encontrar ela lá agora. Porque ela já morreu. Demorou demais para chegar essa intimação”, relata o irmão, sobre o encontro com o oficial.
São tantos crimes que a polícia do Espírito Santo teve de criar a primeira delegacia do Brasil especializada em investigar homicídios de mulheres. Quase todos os assassinos agem da mesma forma. “Há um histórico de agressão anterior. Ou seja, o homem não chega e, em uma ocasião fortuita, tira a vida da mulher. Não, isso vem como uma bola de neve, aumentando, cada vez maior, cada vez a agressão vem de forma mais violenta, até que culmina com um homicídio”, explica o delegado Adroaldo Rodrigues.
Para a polícia do Espírito Santo, a raiz de todos esses crimes é uma só: “Traduz muitas vezes a questão do machismo mesmo, do homem querer resolver o problema por se fazer homem”, destaca o chefe da Polícia Civil do estado, Joel Lyrio.
O que faz o Piauí andar na contramão dessa tendência? “O Piauí também é machista, só que aqui o trabalho é com eficácia. Na polícia não se deve cochilar. Não deixe a madrugada chegar, tem que ser imediato”, alerta a delegada Vilma Alves.
A pressa da delegada é a urgência do juiz. “Quando nos chega às mãos, a gente decide no máximo em 24 horas, talvez no mesmo horário do expediente”, afirma o juiz José Olindo Gil Barbosa.
Uma azeitada articulação entre polícia e Justiça não deixa denúncias se acumularem. “Até em tom de brincadeira eu digo: ‘aqui no Piauí, a gente trabalha igual a pai de santo, a gente recebe, mas também despacha’”, diz o destaca o promotor Francisco de Jesus Lima. Os movimentos feministas e o Ministério Público se uniram em campanha. E a própria delegada, professora de formação, vai aonde for preciso para passar o seu recado.
Apesar da melhor posição do Piauí no que se trata de violência doméstica contra a mulher os números não agradam a Delegada Vilma Alves. Ao contrário, para ela “Nenhum número é aceitável”. “Nenhuma morte. Viver em paz é o que é importante. Como se admite uma mulher ser morta pelo seu marido? Porque a mulher não é mais coisa, não é objeto, não é propriedade. Mulher é cidadã e deve ser respeitada”.
Confira a tabela completa com o mapa de homicídios de mulheres no Brasil
Taxas de homicídio de mulheres (em 100 mil) por unidade federativa*
POSIÇÃO
|
UNIDADE FEDERAL
|
TAXA
|
1º
|
Espírito Santo
|
9,4
|
2º
|
Alagoas
|
8,3
|
3º
|
Paraná
|
6,3
|
4º
|
Paraíba
|
6,0
|
5º
|
Mato Grosso do Sul
|
6,0
|
6º
|
Pará
|
6,0
|
7º
|
Distrito Federal
|
5,8
|
8º
|
Bahia
|
5,6
|
9º
|
Mato Grosso
|
5,5
|
10º
|
Pernambuco
|
5,4
|
11º
|
Tocantins
|
5,1
|
12º
|
Goiás
|
5,1
|
13º
|
Roraima
|
5,0
|
14º
|
Rondônia
|
4,8
|
15º
|
Amapá
|
4,8
|
16º
|
Acre
|
4,7
|
17º
|
Sergipe
|
4,2
|
18º
|
Rio Grande do Sul
|
4,1
|
19º
|
Minas Gerais
|
3,9
|
20º
|
Rio Grande do Norte
|
3,8
|
21º
|
Ceará
|
3,7
|
22º
|
Amazonas
|
3,7
|
23º
|
Santa Catarina
|
3,6
|
24º
|
Maranhão
|
3,4
|
25º
|
Rio de Janeiro
|
3,2
|
26º
|
São Paulo
|
3,1
|
27º
|
Piauí
|
2,6
|
Fonte: SIM/SVS/MS *2010: dados preliminares
Disponível na íntegra em:
Aproveite o link e assista a reportagem exibida pelo Fantástico no dia 06 de maio de 2012.
Postado por: Evylane Silva Medina
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